Leitura: João 8
Uma mulher nua, ou apenas envolta em lençóis, é
trazida ao mesmo chão no qual Jesus escrevia palavras nunca reveladas. O homem
que com ela dividia a cama, em gemidos de desejo sexual, convenientemente
escapara. Mas ela não. Provavelmente dedurada por algum outro homem, amigo
daquele que às escondidas ‘a pegava’.
Assim,
seguiu para o leito do pecado ou para a esquina da traição uma horda de
fariseus tarados.
[...]
Agora, lá
está ela... Nua, com a face encoberta pela mortalha da vergonha, que quanto
mais cobre a cara, mais escancara os sentidos. Trêmula, sem chão, com o ar
congelado pela proximidade da morte, contemplando as carrancas de seus juízes
implacáveis, nada ouvia de toda a gritaria, e apenas pensava que a vida tinha
chegado ao fim em louca-razão de um fugaz momento de prazer dessignificado.
[...]
— “Mestre, Moisés nos diz na Lei que mulheres como esta, apanhada em flagrante adultério, devem ser apedrejadas. O que tu dizes?” — indagavam os santarados, babando e masturbando as mãos nas lisas pedras de matar o que se deseja.
— “Mestre, Moisés nos diz na Lei que mulheres como esta, apanhada em flagrante adultério, devem ser apedrejadas. O que tu dizes?” — indagavam os santarados, babando e masturbando as mãos nas lisas pedras de matar o que se deseja.
Erguendo-se
do chão onde escrevia, Ele fitou a todos, profundo nos olhos do coração, e viu
que a mulher que ali estava era muito mais inocente do que todos eles.
— “Quem dentre vós estiver sem pecado, seja o
primeiro a atirar pedras!” — e, assim falando, voltou a escrever no chão.
A
consciência cansada dos mais velhos logo se manifestou com as lembranças de
muitas e muitas transgressões, tanto exteriores quanto interiores. Os mais
novos, porém, cheios de arrogantes inocências e vaidosas ignorâncias, ainda
fizeram pose de quem iria atacar. Porém, a percepção de que os senhores mais
velhos já não estavam na praça os fez voltar atrás, e, então, lentamente, saíram
todos, ficando apenas a mulher e Jesus.
— “Mulher, onde estão aqueles teus acusadores?
Ninguém te condenou?” — indagou Aquele que só pergunta porque eu não sei e
preciso ficar sabendo.
— “Não, Senhor!” — disse ela, gelada... Começando a
respirar outra vez.
— “Nem eu tampouco te condeno. Vá, e não peques
mais!” — afirmou Jesus.
A mulher se
foi... Mas, eu fiquei me perguntando: por quê? Sim, por que Ele não a condenou?
“Bem-aventurado
o homem a quem o Senhor não imputa transgressão”, é a resposta de Davi, sacada
e usada por Paulo em Romanos, devidamente aplicada ao fato de que Deus perdoa a
quem quer, e ninguém tem que se meter no assunto.
[...]
“Ficando só
a mulher e Jesus”. É sempre assim. Ninguém entre mim e Deus. Ele não permite
que ninguém fique. Ele despede a todos pela volta de seus juízos sobre eles
próprios; e, na solidão, ficamos somente Ele e eu; somente você e Ele; somente
Ele e a mulher.
[...]
Deus odeia a
humilhação. O humilhado, pela própria humilhação, já se torna objeto de
‘bem-aventurança’ imediata. Deus abomina o juízo de um homem contra outro em
nome de “Deus”, ou em qualquer outro nome. Mas, sobretudo, o que Deus não aguenta
mesmo é um coração que transforma vergonha em arrependimento, dor em sabedoria,
erro em compreensão, estultícia em sensatez, e que sabe que morto ou vivo a
consciência agora é uma só: não mais se entregar àquilo que apenas destrói e
faz mal. A esses tais Deus sempre perdoa!
[...]
Entretanto,
de tudo o que se poderia dizer aos "Everests" de fartura de opções e
aplicações de tal ocorrência entre Jesus e a mulher, o que de fato é a única
coisa importante é esse “nem eu tampouco te condeno”.
Afinal, de
que adianta o mundo inteiro nos absolver e nos imputar credibilidade, honra, e
respeito, se Ele não nos disser “... eu não te condeno”? Portanto, a grande
questão não é como eu vejo a Ele, mas como Ele me vê!
E o que Ele
viu naquela mulher foi uma pessoa que apesar de seus pecados, jamais faria com
ninguém o que estavam fazendo com ela. E esta confissão quase nunca é ouvida
pela multidão, pois a multidão não quer ouvi-la; e também porque ninguém em tal
estado tem voz para bradar para fora, mas tão somente para dentro.
[...]
Neste
momento, enquanto escrevo isto, em milhões de lugares da Terra, em centenas de países
diferentes, há incontáveis situações idênticas a esta aqui descrita, as quais
com outras caras estão se repetindo. E em todas elas, no fim, ficará apenas a
pessoa e Jesus, mesmo que a pessoa não saiba que é Jesus ou mesmo quem é Jesus,
pois a única coisa que interessa para o perdão de Deus não é que a pessoa
conheça a Jesus, mas sim que Jesus conhece a pessoa.
Então Ele
sempre diz: “Nem eu tampouco te condeno. Vá e não peques mais!” E, para a
perplexidade de muitos fariseus santarados, um dia ver-se-á a multidão dos que
nem sabiam que estavam diante de Jesus, como aquela mulher também não sabia, e
que receberam o perdão que lhes veio do Santo Desconhecido que apenas lhes
garantiu que as pazes com Deus já estavam feitas, e que a vida poderia
continuar, só que agora melhor e diferente.
Ora, isso
acontece apenas num lugar chamado consciência. A consciência dos que queriam
apedrejar os fez deixar a presença de Jesus. Mas a consciência da apedrejada a
fez ficar; e mesmo sem saber quem era Aquele que não a condenava, mas antes a
perdoava, aceitou o Seu perdão e se perdoou.
Afinal, quem
haverá de poder ir e não pecar mais se ele (a) próprio(a) não tiver aceitado o
perdão de Deus e, mediante tal perdão, a si mesmo não se perdoar?
“Nem eu
tampouco te condeno. Vá e não peques mais!”
Nele, que é assim mesmo,
Caio
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